23 de mar. de 2008

Concentração de poder na Receita Federal


23.03.2008 - 21:34

O ex-corregedor-geral da Receita Federal Marcos Rodrigues de Mello, encarregado de comandar a elaboração da Lei Orgânica do Fisco (LOF), é investigado pela Polícia Federal por suspeita de quebra de segredo de Justiça e interceptação de documentos, para dificultar apurações do Ministério Público envolvendo ex-assessores ligados à direção do órgão. A lei definirá competências do Fisco, atribuições dos servidores e também questões disciplinares.

Mello foi indicado pela cúpula da Receita para coordenar o grupo que elabora a LOF para impor uma mudança polêmica no setor: retirar atribuições que hoje são exclusivas da carreira de auditor e passar para o órgão. Assim, abre brecha para que dirigentes e ocupantes de cargos de confiança dêem a palavra final sobre, por exemplo, autuações e lançamentos de tributos, e julgamento de processos administrativos de contestação de débitos.

De acordo com dirigentes de sindicatos de auditores da Receita, qualquer funcionário do órgão, mesmo sem ser auditor, concursado ou não, também poderia fiscalizar e lançar ou não impostos contra contribuintes, a mando dos chefes. Atualmente, o auditor fiscaliza, autua e lança o imposto, cabendo ao contribuinte apenas impugnar o lançamento pelas vias legais de defesa previstas.

A primeira tentativa de tirar autoridade dos agentes fiscais e dar mais poder para os dirigentes da Receita foi feita quando Mello apresentou à categoria de auditores, em janeiro deste ano, a minuta do projeto da lei orgânica, assegurando à Receita competência para executar atribuições do auditor.

O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Pedro Delarue, afirmou que Mello já modificou a proposta apresentada, restaurando a autoridade dos agentes fiscais e resgatando parte da autonomia. Mas não é isso que a Receita pretende levar ao Congresso.

Em janeiro, em teleconferência para discutir a proposta com auditores de vários estados, Mello declarou que a administração não abrirá mão de poder designar qualquer outro servidor para exercer o trabalho do auditor em caso de emergência ou necessidade. "E quem vai decidir o que é emergência? É o poder de um correligionário político ou um contribuinte de um setor econômico forte?", questiona a presidente da Unafisco/Rio, Vera Costa.
“Como foi apresentada a proposta, a competência é da Receita, exercida pelo auditor. Assim, a qualquer momento, pode ser retirada do auditor e, através dos seus dirigentes, ser transferida para qualquer outro funcionário”, criticou Vera. O presidente da Unafisco/Campinas, Paulo Gil Holck, não descarta a intenção da cúpula de transformar o órgão em autarquia, passando os auditores a meros servidores públicos, sem autoridade administrativa.


Retenção de papéis sigilosos

Marcos Rodrigues de Mello foi nomeado corregedor-geral da Receita Federal pelo secretário Jorge Rachid para substituir Moacir Leão, considerado muito independente pela direção e que investigava denúncia de suposta corrupção envolvendo a cúpula do órgão. Em julho de 2005, a Polícia Federal (PF) fez uma apreensão de documentos no gabinete de Mello na Corregedoria-Geral por ordem da Justiça e a pedido do Ministério Público Federal.

A PF abriu inquérito para apurar a participação de Mello em interceptação e retenção de documentos protegidos por sigilo de Justiça que faziam parte de investigações do Ministério Público e que atingiam assessores de Rachid. Também foi aberto processo disciplinar na Corregedoria da Receita para apurar sua responsabilidade nos mesmos episódios.

Mello ainda teve que explicar o recebimento indevido de ajuda de custo de R$ 20 mil, em 2003, quando foi transferido de Bauru, onde permaneceram a mulher e dois filhos, para São Paulo. O valor também cobria a mudança dos dependentes, que não tinham trocado de cidade. Mello devolveu R$ 13.379 aos cofres públicos. Com isso, o processo contra ele aberto pela Controladoria-Geral da União (CGU) foi arquivado.
MELLO: PROPOSTA NÃO PREJUDICA A CATEGORIA


Marcos Mello negou a O DIA a intenção de abolir a autoridade dos agentes fiscais e garantiu que a primeira versão “foi constituída a partir de propostas de entidades dos diversos representantes dos servidores da Receita e foi apenas um ponto de partida para que toda a casa pudesse opinar”. Segundo ele, a minuta “prevê autonomia funcional e conserva as atribuições dos auditores”. Os sindicalistas rebatem e dizem que o texto da proposta estende claramente ao órgão e, portanto à sua direção, poderes que hoje são privativos dos auditores. Para alguns representantes dos auditores, a lei orgânica faz parte de um projeto de poder e não de gestão de melhoria do serviço público. “É um golpe de gestão a pretexto das pessoas”, definiu um auditor. Marcos Mello afirmou que “a proposta não concentra poder e, pelo contrário, dá aos auditores poder e responsabilidade compatível com a importância do cargo”.

A direção da Receita Federal já vem diminuindo a autonomia funcional dos auditores por meio de portarias ministeriais e instruções normativas. Os agentes fiscais, hoje, não têm mais o poder de decidir sobre restituições e compensações de tributos, incumbência das chefias das unidades. Em 1999, o Ministério da Fazenda editou portaria criando o Mandado de Procedimento Fiscal, em que o fiscal só pode fiscalizar contribuinte se autorizado pela direção do Fisco. Na proposta original apresentada por Mello, consta que os mesmos cargos de chefia só poderão ser ocupados por auditores pelo período máximo de quatro anos, podendo ser reconduzidos por igual período. Mas outro dispositivo assegura que a regra não vai se aplicar aos atuais dirigentes. “Assim, eles podem ficar indefinidamente nos cargos”, ironiza o presidente da Unafisco/Campinas, Paulo Gil Holck.

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