23 de mar. de 2008

Estado de São Paulo faz convênio contestado por fiscais

sábado, 22/03/08, pág.B7


Sindicato que representa agentes da Secretaria da Fazenda paulista quer investigação do Ministério Público; governo nega risco de quebra de sigilo fiscal


FÁTIMA FERNANDESCLAUDIA ROLLIDA


REPORTAGEM LOCAL


Fiscais da Secretaria da Fazenda paulista pediram para o Ministério Público do Estado de São Paulo investigar a atuação de um instituto apoiado por grupos privados, o INDG (Instituto de Desenvolvimento Gerencial), contratado no ano passado para dar assessoria ao serviço de planejamento fiscal da secretaria. Até então, esse trabalho era elaborado somente por fiscais de carreira. A representação foi feita à Promotoria de Cidadania do MP na segunda-feira da semana passada pelo Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Sinafresp), que contesta o que chama de "terceirização" desse serviço por considerar que há "quebra de sigilo fiscal".


Para auxiliar no planejamento fiscal da secretaria, consultores do INDG estariam tendo acesso a dados considerados sigilosos de contribuintes de ICMS (pessoas jurídicas), IPVA (pessoas físicas e jurídicas) e ITCMD (imposto de herança), segundo a representação. A Fazenda nega a quebra de sigilo.O INDG foi a instituição escolhida para auxiliar o serviço de planejamento fiscal na Fazenda a partir de convênio de julho de 2007 entre o governo paulista e o Movimento Brasil Competitivo (MBC), liderado por grandes empresários, para desenvolver o projeto "Melhoria de Resultados no Governo de São Paulo". O objetivo é aumentar a receita do Estado sem elevar impostos, reduzir as despesas em R$ 500 milhões, e a evasão fiscal, em R$ 1,65 bilhão.Quem contratou o INDG para fazer o serviço na Fazenda paulista foi o MBC. O projeto deve durar 25 meses e custar cerca de R$ 8,7 milhões. Esses recursos, segundo informa Fernando Mattos, presidente do MBC, virão de doações de grupos privados, como Gerdau, Goodyear, Orsa, Serasa, Votorantim, e da Fundação Brava.


Em dezembro, os consultores do INDG pediram de forma mais detalhada dados de contribuintes referentes aos últimos dois anos para fazer o trabalho de melhoria na gestão fiscal. Em e-mail enviado a servidores da Fazenda, George Tormin, secretário-adjunto, recomenda: "O CNPJ deve ser mascarado", o que serviria para evitar a identificação dos contribuintes. Os fiscais procuraram o Sinafresp, que decidiu recorrer ao MP porque, apesar de os nomes dos contribuintes estarem mascarados, eles afirmam que é fácil identificar as empresas com o cruzamento de dados.


As informações encaminhadas revelam, segundo os fiscais, detalhes dos contribuintes -são dados sobre os setores econômicos em que atuam, as regiões fiscais onde estão submetidos, compras e vendas feitas dentro e fora do Estado, débitos e créditos fiscais, além de impostos devidos e recolhidos."Qualquer pessoa com dois neurônios consegue identificar um contribuinte com esse grau de detalhamento. Quantas cervejarias existem em Itu [SP], por exemplo? Não dou o nome, mas dou todas as pistas que levam à conclusão de quem é que está pagando ou não imposto, quem está arrecadando acima da média do setor ou não. São informações que privilegiam os concorrentes, sendo repassadas a um grupo de consultores que trabalha para a iniciativa privada", afirmou Lauro Kuester Marin, presidente do sindicato.O que levou também o sindicato a recorrer ao Ministério Público, segundo seus dirigentes, foi o fato de a Fazenda não ter informado os servidores sobre o convênio.


Outro lado


Fazenda diz que reação é corporativismo
DA REPORTAGEM LOCAL



O secretário-adjunto da Fazenda paulista, George Tormin, afirma que o sigilo fiscal dos contribuintes está assegurado e que os consultores do INDG recebem dados codificados que não permitem a identificação de qualquer contribuinte. A polêmica vem à tona, segundo diz, em meio a uma negociação salarial. "Os dados do CNPJ e da inscrição estadual são mascarados", diz. "Além do mais, os consultores estão sempre acompanhados por fiscais, não fazem nada isoladamente. O acesso à base de informações fiscais é feito somente nas instalações da secretaria."A reação dos fiscais já era esperada, segundo ele, e ocorreu em outros Estados onde o instituto foi contratado para desenvolver trabalhos de gestão. "Há um corporativismo natural e esperado na reação. Em Minas Gerais também foi assim. É uma posição individualista de quem acha que não tem mais nada para aprender."O questionamento do sindicato, diz Tormin, ocorre em meio a uma negociação salarial da categoria. "O contrato foi firmado em julho do ano passado. Mas, agora, há uma negociação salarial em curso."Ele explica que os consultores vão desenvolver uma metodologia na Fazenda que irá auxiliar nas fiscalizações, com o objetivo de aumentar a arrecadação, mas que é absurdo dizer que o planejamento fiscal está sendo "terceirizado" ou "privatizado".


"Quem vai dizer qual empresa será fiscalizada, se a fiscalização começa na empresa da região Norte ou Sul ou naquela que fatura abaixo ou acima de R$ 100 mil não são eles [do INDG]."Tormin explica também que o trabalho de consultoria é "absolutamente normal" como o que ocorre em empresas privadas e outros órgãos públicos onde o INDG já prestou e presta serviços. "Os consultores vão mostrar a metodologia, aportar conhecimento e mostrar, dentro da base de dados analisada, as oportunidades para a fiscalização."


O secretário afirma: "Não há mais espaço para aumento de carga tributária, os governos precisam de eficiência na arrecadação. O trabalho do instituto tem como objetivo ajudar a ser eficiente da porta para dentro". Além de as informações disponíveis ao instituto estarem codificadas, Tormin destaca que o convênio entre o MBC e o governo prevê, "como qualquer outra relação contratual e comercial entre duas partes, a confidencialidade e sigilo nas informações"."Você acha que o Jorge Gerdau [presidente fundador do MBC] está infiltrando espião [na secretaria para ter acesso a dados de concorrentes]?" (CR e FF)


"Sigilo fiscal deve ser respeitado", dizem juristas
DA REPORTAGEM LOCAL



O apoio e a experiência da iniciativa privada para ajudar na contenção de gastos e no aumento de eficiência do Estado são bem-vindos, na avaliação de juristas consultados pela Folha. Mas eles afirmam que é preciso preservar os contribuintes ao fornecer dados fiscais para consultorias privadas, ainda que seja de forma codificada. Para Ives Gandra da Silva Martins, advogado e professor emérito da Universidade Mackenzie, não há problema no fato de governos fazerem parcerias para combater a sonegação fiscal. "É bom, útil para o governo melhorar a sua eficiência.




O que não pode haver é a revelação da vida do contribuinte para uma organização privada.""Os dados só podem ficar com o fisco, que só pode quebrar sigilo se houver indícios de sonegação. A Secretaria da Fazenda ou a Receita Federal não podem passar informações de contribuintes para qualquer instituição privada", afirma Gandra Martins. Para Adilson Dallari, professor titular de direito administrativo da PUC-SP, é "imprescindível que o Ministério Público faça uma investigação" para dizer se houve ou não violação do sigilo fiscal. O trabalho de racionalização para melhorar a gestão e aumentar a eficácia do Estado, segundo diz Dallari, pode ser feito sem entrar "na intimidade do contribuinte".(CR e FF)


Outro lado "Instituto ajuda a melhorar a gestão pública"
DA REPORTAGEM LOCAL
O Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG) informa, por meio de sua assessoria de imprensa, que foi contratado pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC) para prestar serviços para o governo do Estado de São Paulo. "O MBC dispõe de diversos prestadores de serviços, entre eles o INDG, para a operacionalização de seus projetos."O programa de Melhoria de Gestão implementado pelo instituto está sendo desenvolvido em diversas secretarias do governo, entre elas, a da Fazenda paulista."O INDG não pode fornecer informações sobre os serviços prestados, pois tem contrato de confidencialidade com o MBC. O INDG é uma instituição idônea e ética. Nunca houve qualquer comprovação de irregularidade dos seus trabalhos."O INDG informa ainda que, com o seu trabalho, alguns Estados do país já conseguiram elevar receitas e reduzir despesas. "No ano passado, com o auxílio do INDG, o Executivo gaúcho conseguiu aumentar a receita de ICMS em R$ 622 milhões e enxugar o custeio em R$ 327 milhões", afirma boletim do instituto do dia 14 deste mês, no site do INDG.Já o MBC, uma associação civil sem fins lucrativos, criado em novembro de 2001, informa que tem como objetivo principal viabilizar projetos que buscam o aumento da competitividade das organizações e da qualidade de vida da população. Fernando Mattos, diretor-presidente do MBC, diz que o programa de modernização de gestão pública já está sendo executado em vários Estados -PE, BA, AL, SE, DF, RJ, SP e RS.(FF e CR)




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